Peripécias de um velho rpgista no mundo do RPG Online


Aqueles que me conhecem sabem que sou um mestre da velha guarda, aquele que mantém seus livros de 25 anos atrás (e é chato em não emprestá-los), que curte colecionar dados (peças, miniaturas, etc), além de usar o velho e bom lápis e papel para anotar os detalhes da mesa. Mesmo eventualmente usando o PC para preparar uma aventura em um editor de texto, eu prefiro imprimir o material e as fichas do que usar um notebook; mesmo sendo tão evidente a praticidade das novas tecnologias. Depois dos quarenta, ficamos mais resistentes às mudanças e confesso que sempre olhei com um certo olhar de desconfiança (e um certo desprezo) para o RPG online.


Quando me perguntavam sobre se eu um dia iria jogar RPG online eu dizia: “o dia que o inferno congelar”... Pois, meus caros, ele congelou! Em tempos de COVID19, fomos pegos de surpresa e as minhas mesas (e meus planos de fazer RPG presencial) foram por água abaixo.... 


Eu estava começando novas campanhas em três mesas: uma aventura espacial inspirada na série The Expanse; um cenário de Trevas na Era Vitoriana; e por fim ia começar uma campanha de Dungeon Fantasy (Fantasia de Masmorras). Eu já havia mestrado duas sessões da campanha espacial e ia iniciar a primeira aventura de Trevas quando veio a crise da pandemia e a necessidade de isolamento social. E tive de interromper tudo! 


Para sobreviver à crise de abstinência de RPG e manter a minha mesa (e meus jogadores), fui obrigado a apelar para o famigerado RPG de mesa online. Como todo leigo no assunto fui forçado a me virar para procurar alternativas de ferramentas online e procurei apoio, conhecimentos e conselhos de outros mestres e jogadores mais experientes no mundo digital. 


Estudando as possibilidades, optei pelo caminho mais fácil: adotar o Discord com seus canais de aúdio, texto e um bot para rolar os dados. Para aqueles que não sabem o que é um “bot” é um programa que  você baixa e instala no discord para rolar dados. Usamos o mais simples deles: o rollem. Só precisava digitar “3d6” para sair o resultado. Para ser sincero, começamos com outro programa com uma sintaxe mais complexa, porém logo percebi que havia outro “bot” mais fácil e optei pelo mínimo esforço e pela simplicidade.


A partir daí um amigo meu me ajudou a montar o servidor e configurar os canais de texto e voz. Convidei os jogadores. E escrevi a aventura em editor de texto, e dessa vez, pasmem, não imprimi!... Chegou o dia da sessão, estava muito nervoso e preocupado se ia dar certo. Havia muitas variáveis: minha inexperiência na ferramenta, o meu velho e batido fone de ouvido, a conexão de internet, a restrição de narrar apenas usando a voz... enfim, muita coisa para dar errado!


Para minha surpresa a primeira sessão ocorreu de forma bem tranquila, com eventuais problemas técnicos mas que foram sanados. E assim foi a segunda sessão, a terceira... E a medida que tomei mais confiança no Discord resolvi alçar vôo para outros ares e explorei a plataforma online do Roll20. 


Na realidade, optamos por adotar duas formas de jogar online: para a aventura Espacial e de Trevas (mais voltadas a roleplaying e menos combate) continuaríamos usando o Discord. Contudo para a mesa de Dungeon Fantasy, focada em combates, exploração de masmorras, com um sistema de combate avançado, ideal para grids, resolvi adotar o Roll20.

Procurando por comentários em grupos no facebook e lendo artigos (RolandoDados, MaisRpg e JovemNerd)  que faziam a comparação entre as principais plataformas: Roll20, Fantasy Grounds e RRPG Firecast


Influenciado por um amigo e avaliando tudo que li e ouvi cheguei a conclusão que a melhor opção para mim e para minha mesa seria o roll20: uma ferramenta completa com acesso online, muito suporte de conteúdo e que uma parte de meus jogadores já tinham experiência em usá-lo... E lá fui eu para aprender a usá-lo.


Nesse instante, a velha mania de resistir às mudanças e evitar as dores de aprender algo novo falou mais forte. Eu posterguei por algumas semanas, sinceramente morria de preguiça de assistir aqueles vídeos de 25 minutos explicando os menus do roll20. Resolvi apelar de novo para um amigo e ele começou a me ensinar algumas coisas. Ele falou muita coisa, eu cru na ferramenta achava que era muita informação, e absorvi pouca coisa... Mas, não desistiria tão fácil...


E assim aos poucos fui fuçando a ferramenta, criando páginas e à medida que a minha curva de aprendizagem subia mais me empolgava com a ferramenta. Em determinado momento resolvi pagar pela assinatura anual PRO. Sim morri em 500 bozos nessa brincadeira no cartão de crédito, mas, sinceramente? Não me arrependi... 


Com aventura pronta (quer dizer, quase pronta!), chegou o dia da minha primeira a sessão. Me confundi nos comandos, na quantidade de telas a gerenciar, enfim foi meio frustrante tentar controlar tantos detalhes ao mesmo tempo. Findo a sessão, recebi críticas valiosas de um dos jogadores e amigo de velha data. Ele me ajudou a ver que estava negligenciando pontos da narrativa e que precisava melhorar a interface de jogo. 


Nesse momento, com mais experiência no roll20, investi em melhorar a apresentação da mesa (mais bilhetes/handouts) e automatizar alguns comandos. Mais algumas semanas de estudo e dedicação e chegamos a próxima sessão de jogo de Dungeon Fantasy. Exercitei melhor a diferenciação de vozes e sotaques (algo apontado como oportunidade de melhoria pelo meu amigo), e o resultado foi mais satisfatório. 


Depois de 03 sessões de Trevas e 01 sessões de Space no Discord, além de 02 sessões de Dungeon Fantasy no Roll20, cheguei a um momento em que me sinto confortável em expor minha experiência aqui (um mestre amigo meu já havia me sugerido fazer isso antes, mas preferi ganhar mais alguns quilômetros de estrada...


Em termos gerais há alguns pontos de observância a se considerar entre mestrar presencial e online:

  1. Comunicação: no presencial é mais fácil o mestre se expressar pois ele tem em suas mãos (literalmente!) todas as ferramentas para fazer uma boa narrativa. Ele pode usar expressões, gestos, movimentando todo o seu corpo. Isso é muito confortável e essencial na interpretação dos NPCS. No online isso é complicado e exige um grande empenho do mestre em mudar sua entonação, seu sotaque, diferenciando as vozes. Essa não é minha área e eu sinto dificuldades em fazer isso. Porém reconheço que isso é vital para entregar uma boa interpretação e uma boa narrativa. Nesse quesito eu vou desconsiderar o uso de câmeras, que podem auxiliar, mas vão acrescentar mais um complicador na conexão (vide item Tecnologia). Na minha mesa, por falar nisso, optamos por não usar câmeras...
  2. Contato Físico:  o velho e bom RPG exige contato físico... como é bom rolar os dados, ver a reação do outro, passar momentos dividindo o saco de salgadinhos... Bom isso você não terá no RPG online... E posso dizer com certeza: faz falta!
  3. Improviso: isso é um assunto espinhoso, alguns vão discordar, mas o pouco que percebi é que no presencial é muito mais fácil improvisar em uma mesa. Ok, o mestre pode improvisar no Discord, se usar apenas ele. Mas no roll20, você precisa ter alguma coisa preparada mesmo no improviso e isso é um complicador que no presencial é mais fácil de fazer.
  4. Jogar online cansa mais: isso pode ser impressão minha, mas eu percebi como mestre que jogar 4 horas online não é o mesmo que 4 horas presencial. Talvez seja o fone de ouvido ou ficar olhando muito tempo para a tela do micro. Mas com certeza, no meu ponto de vista é mais cansativo. Não dá para jogar 8 a 12 horas online!
  5. Preparação da mesa: principalmente no Roll20 isso é crucial. Se quer algo em um nível superior terá de gastar horas buscando mapas, tokens, preparando-os, incluindo bilhetes e folhetos (handouts), fichas de npcs, além de todo o esforço de automação (criando macros, cadastrando tabelas, configurando atributos e habilidades), etc. Ok no presencial o mestre deve escrever alguma coisa, mas eu cansei de fazer uma aventura baseada em um esquema, um esboço, criando meia dúzia de npcs, alguns monstros, deixando resto para ser preenchido na hora de rolar a mesa!
  6. Tecnologia: a dependência da tecnologia é algo crítico no online e que pouco existe no presencial. Uma falha na conexão, uma pane na energia elétrica, problemas no microfone, são alguns exemplos de situações que são comuns em uma mesa online e não são relevantes em uma mesa presencial. Talvez se acabar a luz vai ter que rolar dados à luz de velas, mas e daí? É até romântico! É importante salientar que todo o material criado no Roll20 (especificamente nessa plataforma) permanece nele. Assim se a plataforma encerrar suas atividades, ADEUS campanha de 4 anos! E não somente isso: como jogar aquela sessão se o site do roll20 estiver fora do ar?


Além desses pontos relevantes podemos citar alguns aspectos positivos da mesa online:

  • Facilidade de encontrar novos (e velhos) jogadores, encurtando distâncias: qualquer mestre de RPG (principalmente de GURPS) já sofreu ou sofre com a escassez de jogadores em mesas presenciais. Há aqueles que prometem comparecer e não vão, aqueles que até vão em uma ou duas sessões e desaparecem. Sem contar a tendencia de a cada 1 jogador de GURPS são 100 de DND! Sim estou exagerando! Mas não é a sensação? No online o mestre pode reunir jogadores do mundo inteiro, literalmente! Eu mesmo tenho um grandíssimo amigo e jogador fera que esteve na minha mesa presencial por algum tempo e mudou-se para o exterior. Tentamos até improvisar no presencial um contato via áudio com ele, mas, foi horrível.... Desistimos, ficou a saudade de jogar novamente. Pois, depois de um longo e tenebroso inverno, com graças ao RPG Online em minha mesa, foi possível ter o prazer de ver o velho guerreiro anão atuar novamente!

  • Automação das mesas (e apresentação): sim tem um lado positivo também! No meu ponto de vista, são duas faces da mesma moeda, um enorme benefício, atualmente, principalmente no Roll20 (e outras plataformas, claro!). Embora deem trabalho, usar os recursos da plataforma conferem um grande diferencial a sua mesa e a imersão de jogo: mapas detalhados, tokens estilosos, macros e comandos que automatizam iniciativa, testes de habilidade, rolagens de tabelas de falha crítica e sucesso decisivo, usar cartas para equipamentos que são geradas aleatoriamente, etc. Poderia citar aqui uma infinidade de recursos interessantes, principalmente disponíveis na versão PRO por meio de APIs.

  • Comodidade, economia de tempo e dinheiro: não é necessário mais separar um dia inteiro para o RPG se preocupar com o que vai ter de levar para comer, beber, como vai chegar no lugar, os gastos inerentes, etc, etc, etc. Cada um joga no conforto da sua casa, de pijama se quiser. Numa mesa online, o tempo gasto para se deslocar pode ser focado na mesa em si. Isso para mim é um ponto muito positivo, principalmente se você mora em uma grande cidade onde o trânsito é pesado... Ou para quem é casado (como eu) ou tem filhos...


Logo, qual o veredito? O que é melhor? Jogar presencial ou online? Cheguei à conclusão que não há “melhor” maneira de jogar RPG. São modos diferentes que se complementam. Ambos têm aspectos positivos e negativos. As duas formas são importantes. Eu não acho que o RPG online vai “matar” o presencial porque ele é insubstituível. O contato físico é essencial. Por outro lado, os recursos e facilidades, do online me encantam e confesso que me vem me conquistando a cada dia. Particularmente sou um mestre “convertido” e pretendo usar as duas formas a partir de agora em minhas mesas. Mesmo após a pandemia!


E você já experimentou jogar rpg de mesa online?


Como bônus cito alguns vídeos interessantes que me auxiliaram nos estudos do Roll20:

Videos do Mestre taverneiro:





Vídeos do Nick Olivo:

Estes são em inglês, mas você pode configurar a legenda automaticamente do Youtube (embora eu prefira a versão legendada em inglês):

Este ensina como inserir tokens multiplos de uma unica ficha (precisa instalar APIs):

Este ensina alguns atalhos muito úteis como CTRL+L que permite ver com os "olhos" do token de seu jogador:

Este ensina a criar mapas interativos com tokens chamando links e folhetos :

Este ensina a criar notas invisíveis no mapa além de um menu para lançar no chat para uso do mestre



Enfim, tenham uma ótima jogatina!


Comentários

  1. Cara, ainda estou resistente, porém um grupo de amigos tá afim de tentar on line para podermos encontrar e se divertir. Fugir da pandemia. Vamos tentar.

    Adorei toda a postagem.

    Abraços,

    Filipe Lutalo
    www.rpgamesbrasil.com.br

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  2. Grande postagem Bernardo! Eu tb tô nessa luta de aprender a jogar online na marra kkkkkk.

    E pela experiência que eu tive na RPGCON - na qual eu não mestrei, apenas palestrei - achei super massa ter jogadores de td o Brasil à distância de um simples clique. E uma tendência que eu tb percebi, sempre é mais fácil arrumar jogadores pra uma mesa online do que presencial.

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  3. Grande Bernardo. Assim como você, sou um devoto da religião criada pelo Steve Jackson Ianque.
    Também estou me adaptando a utilização das plataformas digitais para os jogos. Nossa opinião se mostrou muito parecida. Eu suspendi a minha sessão de GURPS Fighting Fantasy (Sim, Steve Jackson ao quadrado + Ian Livingstone) por conta da falta tempo para me dedicar ao Roll20. Somente a minha mesa de GURPS Black Ops funciona no momento justamente por ter mais roleplay e menos combates. Também estou usando o DISCORD junto com seus bots amigos.

    É importante ver a sua opinião quanto à isso pois, assim como você, sou da velha guarda e tendo a usar muitas miniaturas e tabuleiros.

    Continue com o excelente trabalho e espero jogar um dia com você! Nossas mesas também estão abertas para sua visita!

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