Dust - capítulo 3
Dias atuais, entrada do abrigo, Dust.
Naquele
momento não havia nada que pudesse ser feito, a não ser torcer para que os três
azarados chegassem ao abrigo antes da tempestade de areia. O Xerife berrava a
plenos pulmões para que Elliot e Thomaz mantivessem a porta aberta por mais
tempo, mas o vento a empurrava com força, forçando as dobradiças além do
limite.
Os
forasteiros já haviam alcançado a rua central, estando a cerca de cem metros do
abrigo. Lá dentro, a ventania havia levantado tanta poeira vermelha que já não
se via nada. A voz do Xerife, entretanto, ribombava resoluta:
— Por Dust! Mantenham a porta firme, rapazes!
— Xerife, o vento está muito forte, não vamos
conseguir manter a porta aberta. E se demorarmos mais não conseguiremos
fechá-la, a tempestade chegou! – Elliot já não aguentava mais, e Thomaz
não era nem de longe o mais forte do grupo.
— Eu
ajudo... – a voz murmurada não foi ouvida claramente, aliás, ninguém ouviu, mas
isso não importava. Um terceiro homem se juntou à dupla para manter a porta
aberta ganhando mais tempo para os estranhos. Era Rollo, um sujeito estranho e
reservado, temporariamente estabelecido em Dust.
Lá fora,
o vento destruía partes das construções enquanto os três cambaleavam entre
escombros cada vez maiores dos restos de algumas casas periféricas da pequena
cidade e, apesar de tudo, continuavam correndo.
A
tempestade de areia chegou com muita poeira, inutilizando a visão de todos. Sem
alternativa e temendo ser tarde demais, o Xerife ordenou que fechassem a porta
e a travassem.
— ESPEREM!
– Gritou uma voz exausta, mas não apavorada.
Três
vultos atravessaram o umbral enquanto outros homens, incluindo o Xerife,
escoravam e forçavam a porta na tentativa de fechá-la. Assim que passaram o
trinco, desceram a prancha de madeira reforçada para travar definitivamente a
porta.
O vento
soprava forte lá fora enquanto varria areia e sabe-se lá mais o que, batendo violentamente
contra a pesada porta. Dentro do abrigo, o silêncio dos cidadãos assustados só
era quebrado pelos tossidos provocados pela poeira e respiração ofegante dos
recém-chegados e dos homens que mantiveram a porta aberta.
— Ei!
Essa foi por pouco, não?
A voz
diferente e caçoada quebrou o silêncio. No escuro, alguém batia a pederneira
para acender um lampião e fazer luz.
— Ei,
Tex, onde estamos?
A voz
lenta e pacata, quase boba, de um dos forasteiros revelava o nome de um deles.
— Ah, seu
cabeça oca! Como vou saber? Eu não enxergo nada, e você? – Este, pelo jeito,
deveria ser Tex e, provavelmente, o líder entre eles. Sua fala era engraçada,
carregada de um sotaque distinto e caipira. Isso, por si só, já era estranho.
— Mas
Tex, você disse...
— CALE A
BOCA, SEU INÚTIL! Não consigo pensar direito com você falando. Billy, faça ele
ficar quieto! – outro nome revelado.
— Pode
deixar, chefe! Ei, Jack, é você aqui do meu lado? – esta voz denunciava uma
pessoa mais esperta e ágil.
— Sim,
sou eu... – Um som característico de uma bofetada foi ouvido, cortando a fala
do tal Jack.
Conforme
a poeira baixava e todos se habituavam ao ambiente fechado e com pouca luz, as
silhuetas dos três estranhos tomavam forma no centro do abrigo. Embora
diferentes na expressão corporal e modo de falar, as vestimentas os denunciavam
como cowboys – botas, luvas, lenços no pescoço, chapéu e guarda-pó, mas eles
não usavam armas.
Quando os
habitantes da cidade passaram a enxergar melhor, os burburinhos começaram. Não
pela presença de três forasteiros, mas pela aparência deles. Ao longe, durante
a tempestade de areia, não foi possível reparar nos detalhes e após entrarem, a
poeira e escuridão, ocultou a todos até aquele instante, mas agora que todos se
acostumavam como ambiente, reparavam que os estranhos eram muito magros, até
demais. De cabeças abaixadas, os chapéus cobriam suas faces, mas, em determinado
momento, e até parecia que um deles, possivelmente o líder, esperava por esse
instante para um efeito mais dramático, levantou a cabeça com uma risada
espontânea, seguida de um comentário jocoso carregada de um sotaque caipira:
— Puxa
vida! Que tempo ruim, hein meninos?
Neste
instante mulheres gritaram e desmaiaram, homens tiveram os estômagos
embrulhados e boa parte dos moradores mais próximos aos estrangeiros vomitaram,
gritaram, ficaram catatônicos por alguns segundos ou reagiram com um misto
destas reações.
O rosto
de Tex era um esqueleto com brilhos alaranjados tremeluzentes nas órbitas
oculares. Apesar do formato do corpo aparentar um homem forte, apenas ossos
eram vistos na cabeça, pescoço e braços. O restante estava coberto por
vestimentas. Os outros dois não eram tão diferentes, apenas que um deles
parecia ser mais fino e o outro maior em tamanho – tanto em altura quanto
largura, se é que isso era possível.
— Mas que
diabos! – exclamou Tex diante da reação dos moradores.
— Comeram
algo estragado? Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! – sua gargalhada caçoada ecoou pela sala repleta
de pessoas assustadas.
— POR
DUST! MAS QUE DIABOS DIGOU EU! – gritava o Xerife enquanto seu bigode tremia
todo, embora seu corpo todo tremesse igual. É claro que, posteriormente, ele
negaria a todo custo o medo que sentira na ocasião
Elliot,
Rollo e Thomaz também reagiram de formas diferentes; resistiram melhor ao
choque, mas não sem efeitos nauseantes àqueles três horrores tagarelas. Mas
isso logo passou quando a curiosidade superou o susto.
—
Caramba, de onde vocês vieram? – perguntou Rollo com uma voz surpresa, mas
ainda ponderada e mais ou menos tranquila.
— Ora,
essa! Da tempestade, de onde mais? – a resposta de Tex foi direta e autêntica,
embora um tanto forçada e não totalmente verdadeira. A pergunta não havia sido
aquela, mas a resposta, para Tex, era. E por enquanto deveria bastar a todos,
ao menos até a tempestade passar.
— Como
sobreviveram ao deserto e à corrida pela tempestade? – questionou alguém.
— Isso
até eu gostaria de saber, camarada... – e aqui nós tínhamos uma resposta
autêntica. Tex não soube explicar, e não tinha como explicar.
— Vocês
comem? – esta pergunta só poderia ter vindo de Elliot.
— Ah! Ah!
Ah! Ah! Ah! – outra gargalhada autêntica de Tex.
— Mas é claro que comemos, você não?
— É que
vocês são....
Elliot
não soube como formular a sentença, Tex olhava de uma forma tão única e
estranha para o ferreiro. que o desconforto foi inevitável. Será que sabiam da condição esquelética
deles? Será que comiam, respiravam, sangravam? E, se faziam tudo isso, para
onde ia a comida, o que acontecia depois? E como, por tudo o que Dust
representava, as roupas pareciam preencher seus corpos normalmente e SEM cair?
Assim pensava Elliot.
Rollo era
mais prático em seu raciocínio. Bastava saber onde atirar para matá-los caso
fosse necessário. E sua mão repousava sobre o Colt. A única questão aqui era
saber ONDE atirar naquelas coisas. Eram sacos de ossos ambulantes! Thomaz
apenas se limitou a manter certa distância e observar.
— Ei, carinha, você é estranho... – disse Tex
a Elliot e deixou de prestar atenção às perguntas.
Olhando
ao redor e esticando o pescoço para ver a passagem que descia até a cisterna,
os olhos de Tex brilharam mais intensos por uma fração de segundos, ao mesmo
tempo que Billy olhava atentamente para Jack, ou parecia olhar. Era difícil
discernir para quem realmente cada esqueleto estava olhando.
— E onde
estamos, exatamente, pergunto eu? É isso que quero saber, moradores de... ...de
seja lá onde estivermos... Pode me responder essa, Xerife? – Tex perguntou
enquanto virava diretamente para o homem da lei, o que foi estranho.
Acontece
que, como já sabemos, Owen recebeu este apelido há muitos anos, em Albion,
tornando-se tão parte dele que todos passaram a tratá-lo assim. No entanto, o
que era curioso, é que depois que se estabeleceram naquele local e erigiram a
cidade, Owen foi nomeado xerife de fato, sem nunca usar um distintivo,
entretanto.
Ninguém, além do grupo da
Caravana original e seus descendentes, conhecia o apelido de Owen. E apenas os
moradores de Dust o chamavam assim, ninguém mais. Havia, é claro, alguns
vendedores ambulantes que vez ou outra vinham do Leste para trocar mercadorias,
mas era raro.
É claro que naquela situação,
com a tempestade de areia castigando a cidade e todos assustados demais com as
três aberrações, este detalhe passou despercebido, até mesmo para Owen e os
três colegas – Rollo, Elliot e Thomaz -, que eram novos em Dust e desconheciam
totalmente o passado do Xerife e da cidade.
— Bem, bem... digo. Vocês
estão em Dust, o que é uma surpresa para todos nós, porque estamos longe de
tudo e de todos.
Um pouco abalado ainda, mas
controlado, o Xerife respondeu da forma mais natural possível.
— Ei, Tex, não era...
— CALE A BOCA, CABEÇA OCA! –
gritou Tex.
— Não vê que estou
conversando?
Billy deu outro tapa na
cabeça de Jack, fazendo o chapéu cair e expor toda o crânio.
— Ei, Billy, isso dói...
— Fique quieto, idiota, ou o
chefe vai te dar uma lição!
A relação dos três parecia
óbvia – Tex era o líder, Billy executava ordens e Jack era um idiota.
— Elliot, meu rapaz, por
favor, confira a segurança da cisterna.
— Sim, Xerife!
Elliot desceu o corredor de
acesso enquanto era observado em silêncio por Tex. Fagulhas vermelhas
flamejaram eu suas órbitas e apenas Thomaz, que estava observando a um tempo,
reparou. Quando Tex deu uma desculpa qualquer para visitar a cisterna e se aproximar
sorrateiro de Elliot, o bom rapaz Thomaz esgueirou-se em silêncio para escutar
e observar mais de perto o que acontecia.
— Ei, você, menino faz tudo.
— Ahn? Oi?
— Você sabe ler mapas?
— O que?
— Você sabe ler mapas?
— Sim, eu sei.
Tex retirou um mapa bem velho
de um bolso e mostrou para Elliot.
— Sabe onde fica esse lugar? Sabe como chegar
lá?
Elliot observou o mapa por
alguns segundos.
— Sim, eu sei. Essa é uma mina abandonada ao
sul daqui. Mais ou menos meio dia de viagem a cavalo. Não há nada lá, Sr, Tex.
— Pode me levar lá? Posso pagar.
— Sim, eu posso, mas não há
nada lá, o que o Sr...
— Pesquisa! Conversamos
melhor em outro momento, garoto.
— Tudo bem, Sr. Tex.
Elliot se interessou pela
tarefa. Adorava mapas, gostava de um desafio e sempre foi muito curioso. Isso
bastou para ele não questionar mais nada e voltar aos seus afazeres. Enquanto
isso Billy e Jack se juntavam a Tex novamente para conversarem baixo em um
canto sem perceberem a presença de Thomaz.
— Encontrei! Até que enfim
encontrei! Preparem-se, rapazes. Temos uma mina para explorar!
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