Anatomia de uma personagem


O jogador por trás da criação


Um de meus jogadores é novato, tem dificuldades para se expressar e nunca foi de ler muito, como ele mesmo confessou um dia, possuindo uma certa dificuldade para ler e compreender regras, apesar de gostar muito de jogar RPG. Como agravante, possui emprego em uma fazenda longe da cidade e seus horários o impede de estar presente em muitas das partidas que marcamos. Em todo caso, é um jogador participativo e interessado quando consegue tempo para se dedicar.
Quando iniciei a Campanha de Dust, quase todos os jogadores já tinham em mente os rascunhos de suas personagens e como iriam funcionar no cenário. Foi fácil montar as planilhas para eles, mas a personagem deste jogador em particular era uma ficha em branco, possuindo apenas seu nome de jogador e personagem. Permaneceu assim por pelo menos 6 meses, até que em nosso último jogo, agora no começo de 2019, ele conseguiu aparecer para jogar de verdade. Só havia um problema, sua ficha não existia!
Para não perdermos a noite, iniciei a partida normalmente e jogamos como se sua personagem estivesse completa – quando era necessário um teste, pedia que jogasse com um NH pré-estabelecido por mim. Terminamos a aventura e disse que precisávamos criar a ficha de sua personagem sem falta. No dia seguinte comecei a trabalhar os elementos para esta tarefa.
Sabia que ele gostaria de manter a personagem original, mesmo estando muito tosca em termos de originalidade, personalidade e tática. Pensei então em potencializar aquilo que já sabíamos dele por meio das 3 ou 4 partidas jogadas previamente. Parti do princípio que como fazendeiro, tal como era originalmente, deveria possuir algumas perícias relativas a esta profissão, além de Empatia com Animais.
O cenário de Dust é um ambiente bem hostil – um deserto interminável com tempestades de areia, insetos gigantes e criaturas fantásticas, portanto esta personagem precisaria ser muito boa no que faz. Optei por uma gama de perícias vinculadas a Talentos específicos [Explorador e Companheiro Animal] para representar essas duas facetas: o ambiente inóspito de Dust e a característica de ser uma personagem voltada para o cultivo e lida com animais.
Obviamente, faltaram algumas perícias básicas para nosso fazendeiro, como Administração e algumas outras indispensáveis para quem realmente sabe lidar com a terra – havia, neta etapa,  a questão do total de Pontos de Personagem e o conflito entre o resultado que meu jogador queria e o que eu, como GM, tentei fazer para criar uma personagem jogável e ao mesmo tempo interessante para meu jogador. Essa deficiência, dentro do jogo, é explicada por suas Desvantagens: Dever (sua fazenda), Dependentes (seus funcionários), Senso do Dever (o povo de Dust) e Inimigo (um fazendeiro vizinho rival que deseja suas terras por serem mais férteis).
A escolha das Desvantagens pareceram óbvias por dois motivos:
1º - Elas justificam a ausência do jogador na mesa nos dias em que trabalha e não pode comparecer;
2º - Elas completam as lacunas deixadas na personagem em termos de perícias e outras capacidades ausentes.
                É interessante observar que o próprio jogador, sendo novato e com pouca experiência, optou por usar um background dento de sua zona de conforto e, principalmente, realidade. Foi natural que eu trabalhasse Desvantagens que incorporassem essa perspectiva.
Com os Atributos, Vantagens e Desvantagens concluídas, chegamos a um ponto importante: suas armas. O laço e o chicote foram escolhas lógicas pela própria natureza da personagem. Pensei que seria legal ela possuir um estilo cowboy, mas com chicote no lugar da pistola – outros dois jogadores já cumpriam este papel.
O mais curioso é que conforme fui montando na minha mente a personagem, fui conversando simultaneamente com meu jogador por chat, e assim que enviava minhas ideias, chegava um texto parecido com o que eu enviara. Ele até comentou que eu estava lendo seus pensamentos e isso foi interessante porque media a satisfação dele com sua nova personagem.
O toque final foi um efeito nos ataques com chicote. Quando usado em combate ele se incendeia e queima o oponente. Para limitar o efeito (e economizar pontos), incluí algumas ampliações e limitações (Acompanhamento, Agente de Contato, Pode ser Roubado) – o dano é maior, mas apenas se o golpe inicial vencer a RD do Alvo. Da mesma forma o poder está no chicote, perdendo o efeito se perder ou ficar sem a arma.
Para finalizar, o jogador queria ter um falcão como animal de estimação e de caça, ser ótimo rastreador e ter senso do perigo. Deixei um facão como arma secundária e um rifle para ataques de longa distância.
Obviamente algumas pontas ficaram soltas ou incompletas. Foi necessária alguma aceitação "poética" para concluir a personagem, posto que ela deve agradar ao jogador, não a mim. Portanto, estando funcional, não me oponho ao resultado final.
Obviamente, não busco a perfeição, e com toda certeza o jogador não se interessa por ela, tendo considerado o resultado final de sua personagem perfeito.


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