Resenha: Dungeon Fantasy 19 - Sistema de Magia Incantation


O suplemento Dungeon Fantasy 19 - Incantation Magic é relativamente recente, publicado em setembro de 2016 por Christopher Rice e Antoni Monrós. Talvez por isso mestres conheçam mais o sistema de magia RPM do que ele. Inclusive, o RPM - Ritual Path Magic é a base de Incantation: um sistema de magia ritual mais lenta e focada em pericias como caminhos e efeitos extremamente versátil. A primeira aparição do RPM foi no suplemento Monster Hunters 1: Champion e posteriormente nas revistas Pyramids 3/43, 3/66 e no suplemento GURPS Thaumatology: Ritual Path Magic

O objetivo desse artigo não é focar no RPM e sim no Incantation. Não sou grande conhecedor do RPM e não pretendo gastar tempo com ele. A minha experiencia como mestre e o meu ponto de vista (da minha mesa) se baseiam na experiencia de 1 ano de aplicação e testes desse sistema alternativo em minha narrativa. Teste que o Incantation passou relativamente bem, com alguns percalços relativos mais a nossa inexperiência com o sistema do que com ele em si.

O sistema de magia Incantation é portanto uma derivação do RPM que foi adaptada ao contexto do cenário e narrativa do DF. Todavia nada impede que o Incantation seja o sistema de magia adotado por mestres em outros cenários, considerando sua versatilidade! É um sistema simples, que não é focado em consumo de fadiga, mas na flexibilidade o que confere mais liberdade aos magos.

Tanto o sistema de magia tradicional (GURPS Magic) quanto o Incantation se baseiam no uso do mana ambiente, sendo limitados por ele. Porém as semelhanças se encerram por aí. O primeiro é um sistema cujas magias são relativamente mais rápidas de serem feitas, mais rígidas (são caixas fechadas denominadas perícias) que de modo geral não podem ser modificadas. 

Incantation é um sistema de magia alternativa em que o tempo de operação é mais lento mas muito mais versátil permitindo adaptações e mudanças nas magias. Magias não são pericias, mas "receitas de bolo" que podem ser alteradas conforme o desejo do mago! Para o autor, é um sistema ideal para magos de suporte ou de não combate. Eu particularmente discordo dessa limitação, pois creio que Incantation funciona muito bem em combate considerando a sua mecânicas e elementos, que de certo modo contornam essa "limitação". Veremos isso mais adiante.

O suplemento é dividido em introdução e três capitulos. Na introdução, faz uma pequena comparação entre o sistema tradicional e o Incantation, aborda sua origem (o RPM) e história de sua publicação. No capítulo 01 ele cita as características e modelos de magos "incantation": apetrechos, o dom do "incantation", pericias necessárias (Magia Ritual, Alquimia, Desenho de Simbolos, etc), novas vantagens (como Adepto, Mago de Campo) e além de novas qualidades (perks). Finalmente apresenta lentes baseados nos modelos do Dungeon Fantasy (Barbaros, Clerigos, Paladino, etc).

No capítulo dois, aborda toda a mecânica do Incantation: os caminhos (pericias mágicas que permitem realizar todos os efeitos); a construção dos feitiços (incluindo modificadores dos rituais, regras para operação das magias, uso de componentes mágicos, alocação de feitiços na aura, criações de infusões alquímicas etc). No capitulo três, apresenta um grimório de feitiços uteis em combate ou suporte.

O "Incantador" precisa de tempo para realizar suas magicas e um ritual elaborado: ele precisa desenhar um circulo ao seu redor e de no mínimo 5 minutos para operar o feitiço. OK, caro leitor. Você deve achar que eu estou maluco: como que esse sistema seria util em combate? Como um "incantador" poderia fazer magias em combate? Ai está o "pulo do gato". Um incantador pode preparar suas magias com antecedência armazenando-as em sua aura (que o livro chama de "slots"). Um mago por padrão possui vários "slots". Assim como no mago do D&D ele previamente armazena os feitiços por meio desses rituais de preparação e posteriormente quando quiser usá-los os ativa gastando apenas 1 turno! 

Para terem uma noção o livro sugere uma formula para a quantidade de "slots" (magias que podem ser guardadas na aura): o (Nivel em Magia Ritual (Incantation)+ Nivel do Dom de Incantation) + (2 x Nivel em Dom de Incantation). Ou seja, um mago com NH 15 e apenas um nível de dom de incantation começaria podendo armazenar 18 (15 +1 + 2x1) feitiços em sua aura! Cada "feitiço" armazenado conta como um "uso", ou seja se quiser usar o mesmo feitiço varias vezes (ter várias bolas de fogo prontas, por exemplo), precisaria armazená-lo repetidas vezes.

Há outra forma de se reduzir o tempo drasticamente. O livro cita duas vantagens que dão grandes beneficios ao mago: Adepto e Mago de Campo (ambas, 10 pontos, cada). A primeira reduz consideravelmente o tempo de  operação das magias de dias para horas, horas para minutos e minutos para segundos. Assim o tempo de operação minimo cai de 5 minutos para 5 turnos, tornando-a mais fácil de se improvisar magias em combate ou de prepará-las antes de se entrar no Calabouço! 

A vantagem Mago de Campo elimina a obrigatoriedade de se desenhar o circulo, evitando uma penalidade de -5 na operação do feitiço! Particularmente creio serem vantagens que devem ser usadas apenas em narrativas épicas pois deixam o Incantation muito mais poderoso que a magia tradicional, podendo desequilibrar a mesa... 

Para ser um "Incantador" o mago precisa conhecer as pericias Magia Ritual (Incantation; IQ, Muito Dificil), Desenho de Simbolos (Inscrições, IQ, Difícil) e Alquimia (Infusões, IQ, Muito Dificil), além das vantagens Dom do Incantamento e Antecedentes incomuns (Incantador).

O Incantation se baseia em 8 Caminhos (pericias IQ/Muito Difícil):  Arcanum (magia, mana, criaturas mágicas); Augúrio (passado, futuro, destino e chance); Demonologia (demônios e anjos, planos infernais e celestiais); Elementalismo (ar, terra, fogo, metal, metal, vácuo, som, éter ou qualquer outra forma de matéria inorgânica ou energia usadas na campanha); Mesmerismo (mentes de criaturas sapientes IQ6+); Necromancia (morte e mortos, escuridão e sombras); Proteção (todas as formas de magias defensivas); Transfiguração (seres vivos inteligentes, incluindo sua carne e sangue). Considerando as limitações de DF, a principio não há caminhos no Incantation para animais, plantas e cura. Essas magias são exclusivas de druidas e clérigos. 

Contudo no artigo  Designers’ Notes Incantation Magic em Pyramids 3/109 Thaumatology V, os autores complementam introduzindo os caminhos da Natureza (Animais,  Plantas e Tempo) e Mentalismo (afetando psionicos e Elder Things). Há varias dicas interessantes também para trazer mais equilíbrio à campanha, novas vantagens, pericias e perks. Leitura recomendada!

Enquanto o caminho determina o alvo, objetivo ou aspecto da magia, os efeitos estão relacionados ao que se pode fazer com o sujeito. Cada caminho possui sete efeitos que são os seguintes: Sentir, Fortalecer, Restaurar, Controlar, Criar, Destruir, Transformar. Para fazer uma magia o incantador precisa definir qual será o objetivo e o efeito que deseja causar. Por exemplo para fazer uma bola de fogo, o objetivo é Fogo (Caminho do Elementalismo) e o efeito mais adequado seria Criar. 

O mago pode definir que um feitiço possui mais de um efeito ou mais de um caminho ou ambos! Isso tornará a magia mais complexa, o tempo para prepará-la e o mana necessário para  ativá-la sera maior. Por exemplo a magia Criar Servo morto-vivo tem como Caminho a Necromancia e possui dois efeitos: Criar e Controlar. Por outro lado o Feitiço Ilusão é a combinação de dois efeitos/caminhos: Criar Elementalismo e Criar Mermerismo (afetando a materia e a mente). Em ambos os casos, por possuir dois efeitos, elas são mais demoradas para fazer, seu tempo de operação é de 10 minutos ao invés de 5 minutos e o mana necessario para carregar a magia também é maior.

Mas se afirmei que Incantation não gasta fadiga, que energia necessária é essa? Considere que o incantador manipula a própria energia (mana) ambiente para realizar os seus feitiços. Por isso os círculos são essenciais. Eles delimitam a área permitindo que o mago se concentre reunindo a energia necessária do próprio ambiente à sua volta para carregar a magia. Essa energia é chamada de Pontos de Magia (Spell Points, minha tradução). 

A quantidade de pontos de magia é definida por vários fatores: quantos caminhos e efeitos serão utilizados, quais serão eles; que modificadores são inerentes ao ritual: a magia causará dano? Quanto? Afetará uma área, qual a sua duração, alcance, imporá desvantagens, vantagens como um atribulação, efeitos irritantes ou incapacitantes etc? Cada modificador inerente possui um custo definido por uma tabela. Assim somando-se esses custos chega-se ao custo total (Pontos de Magia) do feitiço.

Exemplo:
Creeping Frost é um feitiço que congela lentamente qualquer pessoa ou qualquer coisa presa em uma área de até cinco toneladas ou menos. Para o próximo minuto, cada alvo que não resistir adquire Fragilidade Quebradiço (dano dobrado contra ataques concussivos). Além disso, para o primeiros sete segundos desse minuto, cada vitima sofre 1d-3 de frio por turno ignorando a RD! 

Custo em pontos de magia: 
Criar Elementalismo (6 PM) 
+ Caracteristicas alteradas: fragilidade quebradiço e vulnerabilidade a ataques concussivos x 2 (9 PM) 
+ Area de efeito: 3 hex raio (30 PM) 
+ Dano direto por queimadura (não incendiária, -10%) (9 PM) 
+ Duração, 1 minuto (3 PM) 
+ Alcance, 20 metros (6PM) 
+ Peso do objetivo, 5 tons (6 PM). 

Custo total 68 PM.

Não pretendo entrar aqui no mérito dos pormenores de como os cálculos são feitos. Espero apenas passar uma noção de como funciona a construção do feitiço. Observe que esses cálculos são baseados em tabelas que se encontram disponíveis no suplemento. Para facilitar a vida dos meus jogadores fiz um resumo com o material bem como as tabelas. Ele pode ser baixado ao final desse artigo!

E para que serve então saber o custo total dos Pontos de Magia se o mago não queimará sua fadiga ou nem usará gemas de energia, cajados ou qualquer outra fonte externa?

Bom, esse é outro ponto que torna Incantation um sistema único. Para simular a complexidade e dificuldade dos magos em angariar as energias místicas, o sistema impõe penalidades (redutores no NH) do mago ao operar a magia. Quando o mago operar a magia ele precisa fazer um teste de habilidade contra seu NH no Caminho descrito no feitiço. Se houver mais de um, considere o que tiver maior NH. E quanto maior o Custo Total de PM maior será o redutor imposto pelo feitiço!

No exemplo acima o feitiço precisa de 68 PM para fazer. A regra é que cada 10 PM completos representam -1 em penalidades (arredondado para baixo). Assim um feitiço de 68 PM daria um redutor para fazer de  -6! Significa que para um Incantador com Caminho do Elementalismo de NH 16, faria essa magia com um NH efetivo de 10!

Outro aspecto positivo do Incantation é a capacidade do mago de criar Infusões que podem ser usadas por ele e seus aliados. Infusões são chamadas de "magicas na garrafa" uma versão "liquida" dos feitiços feitos como a pericia Alquimia. A grande novidade das infusões é a possibilidade de não magos a usarem! Imagine poder criar bolas de fogo e emprestá-las para o ladino do grupo poder conjurar e lançar!

Incantation é um dos sistemas mais versáteis que conheci. Com ele fica fácil adaptar magias de outros sistemas, como D&D para GURPS. É claro não cabe imitar a mecânica. porém o conceito é possivel adaptar com relativa facilidade. Quero citar como exemplo a magia Tasha's Hideous Laughter (Gargalhada horrível de Tasha, minha tradução):
Uma criatura de sua escolha que você pode ver dentro do alcance percebe tudo como hilário e cai em gargalhada se esse feitiço o afetar. O alvo deve ser bem sucedido em um teste de sabedoria ou irá cair ao chão em um acesso de riso, ficando incapacitado e incapaz de se levantar enquanto durar o feitiço.  Uma criatura com inteligência de 4 ou menos não é afetada. No final de cada turno a vitima sofre dano e pode fazer outro teste para se recuperar. O alvo tem um bônus para resistir se sofrer algum dano além daquele causado pela magia. Com sucesso, o feitiço termina. (D&D 5th Edition Wiki, minha tradução)
Abaixo segue a versão no Incantation:

Gargalhada Horrível de Tasha
Efeito: Controlar Mesmerismo
Modificadores inerentes da magia: atribulaçao (convulsão/risos), dano direto (fadiga) 2d+2, duração: até 10 turnos, alcance (20 metros), Peso do Alvo (até 500 Kg)
Pontos de Magia: Controlar (5 PM) + atribulaçao 100% (20 PM) + dano direto 2d+2 (12 PM) + duração até 10 seg (1 PM) + alcance 20m (6 PM) + Peso até 500kg (4 PM) = 46 PM
Tempo de operação: 5 min.
Duração do feitiço: até 10 turnos.
Penalidade para fazer: Caminho do Mesmerismo -4
Descrição: o mago poderá escolher uma vítima de até 500 kg à 20 metros de distância. O alvo deverá fazer um teste de vontade para não ter um acesso de riso tão terrível que o faz ter convulsões e ficar totalmente prostrado e incapacitado... A vítima terá direito a um novo teste ao final de cada turno. Se passar no teste de Vontade a magia termina!  A cada turno que permanecer nesse estado sofrerá 1 ponto de dano por fadiga e no final de sua duração sofre +1d extra. A vítima sofrerá um redutor no teste de resistência original igual a.margem de sucesso do mago quando preparou a magia (o mago deverá no momento de fazer o teste anotar o resultado para quando for ativa-la).

Observe que considerei o dano de 2d+2 (media de 10 pts de dano) distribuidos pelos 10 turnos que a magia durar, ou seja 1 ponto de dano por turno. 

Podemos concluir que o Sistema de Magia Incantation possui um grande potencial justamente por sua versatilidade. Porém tenho que fazer algumas considerações.

Primeiro tem a quantidade de cálculos que são necessários para se fazer em meio ao jogo, quando o jogador quiser improvisar. Recomendo que se  GM não quer impactar a narrativa que limite as magias de improviso a uma relação pré-existente, definida previamente com o jogador. Também considero que Incantation deva ser adotado por uma mesa de jogadores e por um mestre experiente. Novatos tendem a se assustar com os cálculos necessários para improvisar a magia. Mesmo com o material que criei, enquanto narrava passei por situações em que o jogador queria improvisar e tivemos que parar para fazer os cálculos. É claro que até certo limite isso é tolerável. E o GM deve ter jogo de cintura para saber quando deve fazer as contas e quando deve simplesmente seguir a narrativa definindo o efeito, o custo subjetivamente.

Segundo, as vantagens Adepto e Mago de Campo tendem a desequilibrar o jogo se o que o GM procura é "realismo". Em minha campanha a personagem maga improvisadora (Nina) possuí um NH razoável nas pericias em torno de 15 e dois niveis de Dom de Incantamento, conferindo um nivel efetivo de 17. Como ela comprou essas duas vantagens gastando apenas 20 pontos, ela pode reduzir o tempo de operação a 5 segundos. As regras permitem também reduzir as penalidades aumentando o tempo de operação das magicas. Assim Nina pode por exemplo conjurar um aliado golem de 250 pontos (50% do nivel médio de pontos dos pjs da minha campanha atual) sem nenhuma penalidade, sem queimar fadiga, preparando-a previamente por 1 minuto e demorando 1 turno para ativá-la em combate! Agora compare isso a uma magia similar de criação de Golem no GURPS Magic. Quanto tempo um mago tradicional precisa para encantá-lo?

Deste modo, considero que essas vantagens devem ser limitadas para campanhas realmente épicas ou cinematográficas. Cabe salientar que isso é recomendação dos próprios autores (no artigo da revista Pyramids que citei acima):  cobrar valores adicionais por antecedentes incomuns ou até mesmo aumentar o custo dessas vantagens para 40-50 pontos. Creio que tudo dependerá de como o mestre quer enfatizar a narrativa. Se ele quiser algo mais realista, realmente considere se necessário abolir essas duas vantagens!

Em resumo,  abaixo os prós e contras do Sistema para Jogadores e Mestres:


Considero o Incantation como sistema mais versátil e poderoso de todos que já mestrei, mais forte que o Sorcery. Se fosse classificar em grau de "opzidade", primeiro estaria o Incantation, segundo o Sorcery e por último o Tradicional. É um sistema que aceita uma ampla gama de alterações e permite ao mago lançar magicas poderosas sem nenhum custo em fadiga ou outro impacto negativo. Se o mago tiver um NH acima de 20 não há limites para os feitiços que ele pode fazer. A unica limitação é com certeza sua criatividade e a quantidade de feitiços que consegue manter em sua aura.

É claro que um GM inteligente pode explorar as limitações dos incantadores. Talvez não dando tempo para que eles descansem e possam preparar novos feitiços. Afinal um incantador sem magias ativas na aura pode estar em uma grande  enrascada! De qualquer modo recomendo a leitura do suplemento para aqueles que desejam conhecer uma forma alternativa de magia, menos rígida que as tradicionais pericias mágicas...

Boa Leitura!

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Comentários

  1. Que sistema interessante! Adorei e a beleza de GURPS é sua modularidade! Otimo post.

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  2. Curioso. O lance de armazenar os feitiços me lembrou o sistema vanciano de D&D, pode agradar os jogadores de GURPS que buscam algo parecido.

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